Diagnósticos de morte cerebral cresceram 27% no DF em 2020

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As redes pública e privada de saúde do Distrito Federal registraram 222 diagnósticos de morte cerebral em 2020. O número é 26,8% maior do que o de 2019, quando foram confirmados 175 casos. Os dados constam em levantamento da Secretaria de Saúde do DF.

Para especialistas, os números revelam que no ano passado houve uma evolução na capacidade de realizar diagnósticos de morte encefálica na capital. Isso porque, em 2020, os 222 casos foram confirmados em um total de 335 notificações, ou seja, em 66% das situações registradas. Em 2019, essa relação foi menor: 55% das notificações – total de 318 – foram comprovadas como morte encefálica.

Mas afinal, o que é a morte cerebral? O Metrópoles conversou com profissionais para detalhar como é identificada, quais as etapas para o diagnóstico e como é o processo para doação de órgãos após constatado o óbito. De acordo com o neurologista Carlos Tauil, do Instituto do Câncer de Brasília (ICB), a morte encefálica é a perda completa e irreversível das funções cerebrais. Portanto, é o óbito de uma pessoa.

Etapas para o diagnóstico

Os eventos que levam à morte encefálica são provocados por danos que fazem o cérebro parar de trabalhar, como traumatismo craniano e acidente vascular cerebral (AVC). Fernando Diogo Barbosa, neurocirurgião da Secretaria de Saúde do DF, esclarece que existem etapas a serem cumpridas antes de determinar a morte cerebral do paciente, diagnóstico que não admite falhas.

“A primeira coisa é a suspeita. Se o paciente não está tendo nenhum tipo de reação neurológica, precisamos fazer exame que demonstre que ele tem uma lesão cerebral irreversível. A partir do momento em que ele não tem reação a estímulos, e o exame mostra isso, abre-se a suspeita de morte cerebral”, pontua.

Segundo ele, o protocolo brasileiro exige um primeiro exame feito por um especialista para provar a lesão cerebral irreversível. Também deve ser realizado um teste de apneia, que examina a respiração no sistema nervoso central.

“Depois, vem um segundo profissional e faz um outro exame neurológico e ainda um exame complementar, que é o de imagem. Hoje, o mais comum é o doppler transcraniano – feito para avaliar se ainda existe circulação intracraniana – mas também tem o eletroencefalograma e a angiografia cerebral. Se o paciente não pode fazer um exame por algum motivo, faz os outros”, narra.

“Então, juntamos os dois exames clínicos neurológicos com os exames complementares e fechamos o protocolo. Só aí é confirmada a morte cerebral”, diz Fernando.

O Decreto nº 9.175/2017, que regulamenta a doação de órgãos, garante à família o direito de contar com um médico de confiança para acompanhar o diagnóstico.

Respiração por aparelhos

De acordo com Fernando, enquanto é feita a investigação quanto à morte cerebral, são aparelhos que mantêm a respiração e os batimentos cardíacos do paciente. “Uma vez que há o diagnóstico de óbito, ou a família aceita doar os órgãos e esse paciente fará a doação, ou não aceita e, a partir desse momento, os aparelhos são desligados”, explica.

Uma das dificuldades da família em compreender a morte encefálica é que, nesses casos, o paciente ainda aparenta estar vivo. “Ele pode ter reflexos medulares, movimento de mãos, de braços. Por isso, é importante a família estar esclarecida desde o início do que estamos fazendo, que estamos abrindo procedimentos para chegar ao diagnóstico da morte. É um processo complexo”, enfatiza.

Conforme Camila Vieira, diretora da Central de Transplantes do DF, nesse momento, “é fundamental o acolhimento e a transparência com a família do paciente”. “Os parentes podem ter impressão de que ele está respirando, que está vivo, mas é tudo artificial. Quando ocorre essa comunicação, o familiar já passa a participar mais do processo”, diz.

Criança atropelada

O estado de saúde da pequena Vitória Nascimento Oliveira, de 4 anos, atropelada no acostamento da DF-130, chegou a ser avaliado nesse sentido. A menininha ficou internada em estado gravíssimo no Hospital de Base e passou por exames para o diagnóstico da morte encefálica. Contudo, ela teve falência múltipla dos órgãos e veio a óbito na segunda-feira (22/2).

O neurocirurgião Fernando Diogo Barbosa foi um dos profissionais que acompanharam o caso dela. “A Vitória repetiu alguns testes, porque os médicos suspeitavam de morte cerebral. Mas, como houve nuances nos exames, não fecharam o protocolo”, revela.

Doação de órgãos

No Brasil, a doação de órgãos post mortem só pode ser feita quando for constatada a morte encefálica. No caso de parada cardiorrespiratória, somente pode ser realizada a doação de tecidos (córnea e pele, por exemplo). Essa última situação foi o caso da pequena Vitória, que doou as córneas.

Ao Metrópoles, a mãe da garotinha, Samantha Oliveira de Souza, 29, disse que a família tomou a decisão porque “do mesmo jeito que fomos ajudados neste momento de dor, temos interesse em ajudar as pessoas no que pudermos”.

“Ver que alguém pelo menos vai conseguir enxergar o mundo com os olhos dela, para a gente, vai ser maravilhoso”, declarou, Samantha, emocionada.

Segundo o Ministério da Saúde, cada órgão precisa de um intervalo máximo de tempo para ser transplantado, que é o chamado tempo de isquemia. A tabela abaixo mostra os períodos:

Tabela com tempo de isquemia
*Já a córnea, que é tecido, tem tempo de isquemia maior: 14 dias.

De acordo com Camila Vieira, no caso dos parentes assinarem os documentos autorizando a doação de órgãos ou tecidos, são necessários diversos exames, como de compatibilidade sanguínea, testes sorológicos, e, atualmente, de Covid-19. “Tudo vai para um sistema do Ministério da Saúde, que vai fazer o cruzamento dos dados com os pacientes que estão aguardando na lista”, assinala.