CPI da Covid: mulheres provaram aos senadores o quanto são competentes

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É consenso. As mulheres tiveram uma atuação fundamental na Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19, que aprovou o relatório final na semana passada. Mesmo sem contar com uma representante entre os membros da comissão e apesar de não terem tido direito a voto, as senadoras conquistaram o direito a voz durante todas as reuniões da CPI. As integrantes da bancada se revezaram ao longo do inquérito para que todas prestassem sua contribuição.
Dentre as mais de 1.200 páginas do relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL), 47 páginas foram designadas apenas para recomendações da bancada feminina, além outros pontos conseguidos por conta da ação e arguição das parlamentares. A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), agradeceu ao relator pela inclusão da recomendação do chamado Fundo Especial Para os Órfãos da Covid (Facovid), para possibilitar o pagamento de uma pensão para crianças e adolescentes que perderam os pais durante a crise sanitária. Apesar do direito a voz durante os trabalhos, Gama criticou o fato de não haver representação de mulheres na CPI.
A líder da bancada feminina, senadora Simone Tebet (MDB-MS), teve uma das atuações mais importantes do colegiado. Em uma sessão marcante, ela convenceu o deputado Luis Miranda (DEM-DF) a revelar o nome do líder do governo da Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), no escândalo da Covaxin.
“Foi da boca de uma parlamentar que conseguimos extrair de um deputado bolsonarista (Miranda) a denúncia de que ele havia chegado ao presidente da República com uma nota fiscal alegando que havia um esquema de corrupção dentro do Ministério da Saúde”, lembrou Tebet ao Correio. “Foi a voz de uma mulher que descortinou ao Brasil que, ao lado de tanta dor, tínhamos um núcleo político dentro do MS aliado a um núcleo militar com indícios sérios de um esquema de propinoduto e vacinoduto”, acrescentou. “Também foi na voz de outra parlamentar (Eliziane Gama) que o TCU cancelou o aditivo do contrato da VTCLog. Todos esses esquemas de corrupção foram abordados e trazidos com muito empenho pela bancada feminina”, finalizou.
Além da atuação técnica, Simone exaltou a capacidade de contornar situações de tensão e de conseguir informações por parte das senadoras. “Fomos decisivas no momento de tensão. Não criamos narrativas, fomos direto aos fatos e com isenção. Apesar de ser uma bancada de ideologia diferente, todas nós tínhamos um compromisso sagrado e moral com a verdade. Mesmo sendo mais da área do governo, ou não, os parlamentares buscaram a verdade. Mais do que isso, trazer também sororidade, compaixão, gentileza para os depoentes. Nós procuramos em diversos momentos dar humanidade a esses depoentes e através disso conseguimos extrair muita coisa deles. Acho que foi fundamental e que a CPI não daria certo se não fosse a bancada feminina, pelo menos no que se refere a essa questão do esquema de corrupção”, completou Simone Tebet.
Acima da ideologia
A senadora Leila Barros (Cidadania-DF), também ressaltou a importância da bancada feminina e questionou a atuação de Bolsonaro e do governo federal. “Não importa a qual ideologia sirva um presidente da República. Se ele é de esquerda, direita ou centro. Essa escolha é soberana à escolha da população com o voto. Em contrapartida, ele tem obrigação de cuidar de todo o povo. […] Essa CPI demonstrou de forma clara e transparente, que nosso povo não foi cuidado no momento que mais precisou”, afirmou.
A senadora Soraya Thronicke (PSL/MS) integra a base do governo, mas entende que o trabalho da CPI foi além de “partidos e ideologia”, pois se tratava de vidas humanas. Ela fez críticas ao governo, mas chamou a atenção para irregularidades em municípios de seu estado, Mato Grosso do Sul. Ao Correio, Soraya ressaltou a maturidade da bancada feminina, que não deixou questões ideológicas interferirem no objetivo de descobrir omissões, erros e eventuais crimes no combate à pandemia.
“Entendemos que a questão apurada na CPI não tem partido nem ideologia. Vidas estão acima de qualquer questão periférica que poderia nos desunir. A bancada feminina merece, sem falsa modéstia, todo aplauso, pela maturidade com que tem lidado com a política, um movimento cada dia mais hostil e difícil da gente lidar”, disse a senadora.
Segundo a professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília Elen Geraldes, apesar de terem sido preteridas na formação da CPI, as parlamentares “brilharam”. “Algumas das parlamentares que compareceram eram extremamente bem preparadas”, comentou. “Mas talvez pela questão tão forte do machismo que a gente tem na política brasileira, a gente teve pouca representatividade, pouco contato com elas, por isso a surpresa”, disse.
“Senadoras como (Eliziane) Gama e (Simone) Tebet passaram a ser mais reconhecidas até por colegas senadores. Assim como há homens muito preparados, há mulheres preparadas. Mas a gente tem pouco contato com essas mulheres preparadas porque elas não aparecem tanto, enquanto os homens são aplaudidos”, comparou.
Essa visão machista, comum no meio político, se refletiu até entre depoentes da CPI, lembra Elen Geraldes. Ela recorda do caso do ministro da Controladoria Geral da União (CGU), Wagner Rosário. Em sua oitiva, como resposta às inquirições de Simone Tebet, disse que a senadora estava “descontrolada”. A sessão foi interrompida por conta do comentário, e a senadora e demais colegas repudiaram o comportamento do controlador-geral. “Existe um histórico de tachar que as mulheres são histéricas, menos controladas, que elas são emocionais, etc.”, lamenta a acadêmica.
A julgar o desempenho das parlamentares que atuaram na CPI da Covid, é possível que essa página da história seja virada.

Kátia Abreu (PP-TO)
Criticou duramente o ex-chanceler Ernesto Araújo. Disse que, como ministro, não poderia fazer ataques à China, maior parceira comercial do Brasil e fornecedor de insumos para produção de vacinas. “Graças a isso nós fizemos um ministro de Estado cair e ele caiu graças à CPI e a bancada feminina”, disse Tebet.
Soraya Thronicke (PSL-MS)
Integrante da base do governo no Senado Federal, Soraya apresentou relatório à parte de indícios de irregularidades em seu estado, Mato Grosso do Sul. Sugeriu a outros senadores fazerem o mesmo, para que a CPI tivesse 27 capítulos “um para cada estado”.
Mara Gabrilli (PSDB-SP)
Convenceu o ministro Marcelo Queiroga a dar prioridade a pacientes com doenças raras no programa de imunização. E sugeriu ao presidente da CPI, Omar Aziz, abrir participações virtuais na comissão. Dessa forma, o colegiados poderia ter a colaboração de parlamentares que precisavam manter o isolamento social.