Livro produzido em Brasília sobre vírus traça paralelo com a pandemia

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Morando na capital desde 1975, o sanitarista e escritor Vitor Pinto descreve uma situação de calamidade muito inspirada na atualidade

Há 45 anos envolvido pela literatura, como escritor, profissão que rendeu Vitor Gomes Pinto uma cadeira na Academia de Letras de Brasília, ele acaba de ver pré-lançado pela Alpha Graphics o livro de sua autoria,
Enigmas de Monte Martelo: vidas em quarentena. Politicagem e desrespeito à ciência afligem a cidade fictícia de Monte Martelo, na qual o vírus ixtiwa ocasiona isolamento e altera uma comunidade que, em parte, traz em si a resistência à mudança. O cenário descrito parece superar a grave crise presente com a covid-19.

Numa escala inferior à da abrangência global com a pandemia, o texto registra efeitos de uma epidemia. “O escritor tem que escrever. Uma das minhas motivações foi a do fato de estarmos em plena pandemia. É momento de enfrentar e de colaborar. No texto, trato de um universo mais restrito, mas que revela elementos como a falta de segurança trabalhista, e acho que dá para ver refletida a situação em que nossos empregos se foram. Abordo a falta de aposentadoria e o que será dos jovens futuros trabalhadores”,
adianta Vitor Pinto.

No enredo do livro, há um prefeito que nega muitos fatos, tendo respaldo de um grupo de apoiadores nazistas. Enigmas de Monte Martelo teve uma espécie de lançamento doméstico recente, mas a pandemia tem afetado maior divulgação inicial. Com 200 exemplares financiados por investimento próprio do autor,
a obra estará na livraria Leitura (a R$ 50), já na Amazon é possível encontrar a versão em e-book, a R$ 30. Pedidos também podem ser feitos diretamente no e-mail pvitorgomes@gmail.com

Ainda que assegure um desfecho mais tranquilo para a nova obra em relação ao de A sobrevivência de W (escrito em 2019), Vitor Pinto externa a preocupação como sanitarista que sempre se viu mobilizado pela área da saúde pública. Ex-funcionário do Ipea, técnico do Ministério da Saúde, há cinco anos, quando ajudou a implantar o segmento de saúde do homem, Vitor conta que o livro “é uma ficção mas com embasamento técnico em ciência e pesquisa”.

Alavancar uma denúncia trouxe ainda um fio otimista para o enredo que fala de esperança. “No livro, atua um laboratório de alto nível japonês”, explica, ao que completa: “O livro é um grito a mais contra o bloqueio a soluções de saúde, num momento em que o Brasil é o pior de todos”. Morcegos como agentes transmissores indiretos de uma epidemia, esperanças em torno de um antiviral, ondas de desrespeito ao
isolamento e a chance de trabalhadores serem escravizados, sem efetiva ação sindical, emolduram dramas de personagens do livro de Vitor Pinto, que ainda expõe uma luta de classes contra desigualdades.

Facções de mercenários e gangues entram em cena no livro que entrega um destino pouco grato para indígenas da etnia krahô, pioneiros de área que faz divisa com Tocantins, Maranhão e Piauí. Com muito suporte técnico, o escritor do livro não poupa agradecimentos para o professor José G. Dórea, presente no delinear do tema; para Stéphane Cabaret, presente nas dicas para a construção de ambiente do Bairro Francês (importante reduto de interação entre personagens) e ainda a René Mendes, capacitador das  nuances e do panorama trabalhista pouco encorajador para muitos personagens.

 

Sobre a Obra

Monte Martelo é uma pequena cidade assolada por um coronavírus cuja gravidade supera à da Covid-19. Originado na imensa grota dos morcegos junto à aldeia krahô recebe um nome indígena: ixtiwa.

A administração local nega-se a combater a epidemia, isola o município e resiste à mudança, sustentada por mercenários. Gangues armadas pressionam a sociedade.

O sistema de saúde se reestrutura na luta contra a epidemia tendo como base o Hospital Dona Romanela que a todos atende. Embora distante da capital, Monte Martelo tem no Instituto de Análises Químicas um modelo de alta qualidade onde se prepara um antiviral eficaz.

Quando se difunde a fama de que a cura estava a caminho, gente de toda parte ignora o isolamento e invade a cidade exigindo tratamento e trazendo consigo doenças concorrentes.

Trabalhadores tornam-se escravos dos Aplicativos, não só no esquema Uber, mas desafiam os duros tempos atuais para encontrar novas formas de organização mesmo sem contar com apoio dos sindicatos tradicionais.

Enquanto o Bairro Francês aos poucos se transforma em um orgulho para a cidade, os moradores dos Altos do Vinagre participam das lutas urbanas e não só para superar sua intensa miséria.

A produção de fertilizante orgânico a partir do guano dos morcegos ajuda a reconstituir a base econômica do município até que os animais decidem retomar seu habitat.